Evitando nos tornar Atlântida: As cidades costeiras são capazes de impedir o avanço do mar?

Riscos e resiliência | Artigo | 11 de setembro de 2020

À medida que o nível do mar sobe, algumas comunidades costeiras correm o risco de desaparecer, enquanto as demais precisam se adaptar, e rápido.


Atlântida pode ser uma ilha fictícia perdida no mar, mas para centenas de cidades costeiras ao redor do mundo, a história de Platão pode se tornar uma profecia.

O aumento do nível do mar causado pela mudança climática de apenas 0,5 metros até 2050* torna vulnerável 570 cidades costeiras, com uma população urbana total de mais de 800 milhões de pessoas, afetando ricos e pobres, com diversos variados de preparação de infraestrutura e em climas quentes e frios.


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Um estudo do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas sugere que um aumento de 2°C na temperatura média global causará um aumento do nível do mar em todo o mundo entre 0,35 e 0,93 metros até 21001. Outros estudos sugerem um aumento ainda maior.

Um aumento do nível do mar dessa extensão deixará pessoas desabrigadas, destruirá terras e propriedades e gerará bilhões de dólares em perdas em diversas cidades. Também há danos potenciais à infraestrutura de transporte, plantações, saneamento e água potável, e, em último caso, isso pode tornar uma cidade inabitável.

A rápida urbanização também está agravando o problema, combinada com a destruição de mangues costeiros, recifes, pântanos, dunas e várzeas que agem como defesas naturais contra inundações.


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Então qual é a solução para essas comunidades: combater o aumento da maré ou abandonar as cidades, o que criaria uma Atlântida no futuro?

“Não existe uma solução simples, uma vez que os impactos do aumento do nível do mar serão sentidos de diferentes formas em cada região”, afirma Amar Rahman, Líder de Prática Global em Engenharia de Riscos para a resiliência aos riscos naturais do Grupo Zurich Insurance (Zurich).

“Existe uma percepção errada de que o nível do mar subirá igualmente em todo o planeta, mas o aumento variará de acordo com a região, dependendo de uma série de fatores. As cidades expostas a furacões ou tufões podem ter o risco de maré de tempestade aumentado, enquanto a extensão da erosão costeira irá variar por região de acordo com a dinâmica local das ondas”, explica Rahman.


Combatendo a maré

Para Michael Szönyi, Líder do Programa de Resiliência contra Inundações, essas cidades costeiras, primeiramente, precisam controlar a criação de novos riscos.


“Isto significa adotar políticas que impeçam novas construções ou o aumento da densidade populacional em áreas que serão mais afetadas pelo aumento do nível do mar,”

ele explica.


Para os riscos de inundação já existentes, muitas cidades estão investindo em soluções para controlar a maré, incluindo quebra-mares, barreiras contra maré de tempestade, bombas d’água e reservatórios.

Outras cidades voltaram sua atenção para abordagens ambientais. Isso pode incluir a recuperação de terrenos e a restauração de mangues e várzeas para ajudar as cidades a evitar inundações causadas pelas cheias.


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Os Países Baixos são uma prova de que ambas as estratégias funcionam. Quase um terço do país encontra-se abaixo do nível do mar, mas está protegido por uma rede de 3.700 km de diques, barragens e quebra-mares, incluindo a famosa Barreira de Maeslant que protege a cidade delta de Rotterdam.

Nas últimas duas décadas, os Países Baixos complementaram esta sólida infraestrutura com estratégias de gestão da água. Isso inclui um planejamento do espaço que utiliza parques urbanos e espaços públicos como reservatórios de emergência para inundações, e um novo conceito chamado “Espaço para o Rio” introduzido há mais de uma década. Ele permite a expansão dos rios, lidando assim com o excesso de água, baixando as várzeas, alargando os rios e construindo canais laterais.


Estamos afundando

No entanto, em Jacarta, uma das 570 cidades costeiras em risco destacadas, há um problema ainda maior: a megacidade está literalmente afundando à medida que o mar à sua volta sobe.

Jacarta não é a única cidade afundando, mas os seus problemas são particularmente acentuados, com partes no norte da cidade afundando até 25 cm ao ano. Hoje, cerca de 40% da cidade está situada abaixo do nível do mar.

Uma dos principais motivos para esse grave afundamento da terra é a extração excessiva do lençol freático. O sistema de água canalizada de Jacarta chega a apenas um terço dos habitantes. O restante bombeia a água, muitas vezes ilegalmente, para beber, fazer limpeza e outros fins, de aquíferos subterrâneos profundos, uma vez que os rios estão muito poluídos.

Apesar das chuvas, os lençóis freáticos não são reabastecidos, já que 97% da cidade está coberta por asfalto impermeável e concreto. Com isso, com o bombeamento do lençol freático, a terra acima afunda como se estivesse sentada sobre uma almofada.

“O afundamento é um problema difícil de resolver”, diz Rahman. “Para um edifício este já é um problema disruptivo e dispendioso, mas o que fazer quando se trata de uma cidade inteira? E não se trata apenas de evitar que os edifícios se afundem, pois existem esgotos, tubulações, cabos e outras infraestruturas importantes no subterrâneo. Para fazer o que é necessário, Jacarta teria que parar”.

Com esses desafios, o anúncio feito pela Indonésia em 2017 de que planeia transferir a sua capital nacional para a província de Kalimantan Oriental, na ilha de Bornéu, pode ter sido uma decisão inteligente.

Szönyi acredita que o deslocamento de cidades, ou partes de cidades, poderia ser uma opção viável. “No passado houve uma longa tradição de abandono devido a mudanças ambientais, como seca ou a perda de indústria. Talvez precisemos resgatar esta tradição.


“Não estou sugerindo que cidades numa situação como a de Jacarta sejam completamente abandonadas, mas um recuo controlado pode ser uma boa opção em longo prazo. Algumas cidades poderiam desistir de áreas costeiras, o que protegeria as pessoas que vivem nessas áreas, ao mesmo tempo que proporcionaria uma defesa contra as inundações para o resto da população da cidade”.


Enquanto isso a população de Jacarta poderia encontrar alguma inspiração nos holandeses.

Os Países Baixos lutam contra a água há mais de 1.000 anos e hoje têm algumas das defesas marítimas mais sofisticadas do mundo. Só neste século, no entanto, com o seu

“Espaço para o Rio” e outras estratégias de controle da água, os holandeses aprenderam a conviver com a água.

Cidades como Jacarta precisam não apenas aprender a conviver com a água, mas também a respeitá-la e controlá-la. Isso pode incluir a limpeza de rios e canais, a extensão do fornecimento de água limpa e saneamento a toda a população, e a introdução de medidas para restringir a extração do lençol freático. E essas cidades também podem ter de considerar a opção “Atlântida”, abandonando alguns bairros da cidade ao mar.   

* Relatório técnico The Future We Don’t Want (fevereiro de 2018): C40 Cities, Global Covenant of Mayors, Acclimatise, and the Urban Climate Change Research Network (UCCRN) - https://www.c40.org/other/the-future-we-don-t-want-homepage

1 Aquecimento Global de 1,5°C (2018): IPCC, Summary for Policymakers. Masson-Delmotte, V., P. Zhai, H.-O. Pörtner, D. Roberts, J. Skea, P.R. Shukla, A. Pirani, W. Moufouma-Okia, C. Péan, R. Pidcock, S. Connors, J.B.R. Matthews, Y. Chen, X. Zhou, M.I. Gomis, E. Lonnoy, T. Maycock, M. Tignor, e T. Waterfield (eds.)]. https://www.ipcc.ch/sr15/
2 Estas 11 cidades estão afundando e podem desaparecer até 2100 (setembro de 2019): Talia Lakritz. https://www.weforum.org/agenda/2019/09/11-sinking-cities-that-could-soon-be-underwater/