Riscos Sociais numa Era Pós-Covid-19

Proteção da força de trabalhoArtigo5 de junho de 2020

Estamos no meio de um evento histórico que vai mudar muitos aspectos do mundo em que vivemos, com grandes impactos na economia global, na geopolítica e nas nossas sociedades.

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Estamos no meio de um evento histórico que vai mudar muitos aspectos do mundo em que vivemos, com grandes impactos na economia global, na geopolítica e nas nossas sociedades.

É evidente que esses impactos e riscos globais são altamente interdependentes e estão mudando os cenários de risco global atual e futuro, fato destacado no relatório de Panorama de Riscos do COVID-19 do FEM.

Já estamos presenciando níveis recorde de desemprego devido a medidas de confinamento para controlar a transmissão e reaprendemos lições difíceis, em especial que a privação social determina os resultados na saúde.

Os impactos sociais a longo prazo, como uma exacerbação da desigualdade e mudanças nos comportamentos dos consumidores, a natureza do trabalho e o papel da tecnologia - tanto no trabalho como em casa - irão mudar para sempre o nosso modo de viver, tanto para nós como indivíduos, como para a força de trabalho e a sociedade. Essas dimensões sociais da crise, incluindo os atritos entre gerações e o estresse contínuo sobre o bem-estar das pessoas, serão sentidas pelas pessoas em todo o mundo e criarão consequências substanciais para a sociedade a longo prazo.

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Medo e Otimismo

No meio empresarial, nos asseguramos o apoio a nossos funcionários e a nossos clientes. Em alguns setores e ao redor do mundo, uma combinação de políticas fiscais e de paradas coletivas também ajudou a suspender as economias. À medida que os países saem da crise de saúde imediata e retomam suas economias, as mudanças nas práticas de trabalho e nas atitudes em relação a viagens, deslocamentos e consumo mudarão as perspectivas de emprego. A Organização Internacional do Trabalho já identificou que as PMEs e os setores informais, em particular, terão dificuldade em sustentar e recuperar seus negócios¹.

Os comportamentos dos consumidores já estão mudando, mesmo durante a fase de estabilização em que a maioria das economias se encontra neste momento. Em março, os gastos dos consumidores globais foram diminuindo a cada semana. Nas últimas duas semanas de abril e no início de maio, no entanto, os gastos dos consumidores recuperaram pouco a pouco a cada semana, antecipando uma mudança para uma fase de "normalização", onde as economias reduzem as medidas de confinamento e mostram sinais de recuperação econômica. No início, as despesas eram em itens básicos, como no supermercado, mas agora elas estão mais concentradas em melhorias na casa e em roupas. Ainda não há despesas significativas com entretenimento.

Os departamentos de recursos humanos raramente tiveram um papel tão importante. O trabalho à distância aumenta o risco de isolamento, bem como o de dependência alcoólica, abuso do cigarro e problemas na coluna devido à má postura ergonômica. O fascinante é que, enquanto o governo antes era visto como a rede de proteção definitiva, os empregadores tiveram de aceitar que também precisam proteger seus trabalhadores para que possam sobreviver e prosperar. Esta deveria ser uma mudança de atitude a longo prazo no debate histórico entre o público versus o privado.

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Retomar o crescimento pré-Covid-19 provavelmente será uma tarefa longa e difícil, pelo menos até que haja uma estratégia eficaz de saída da crise de saúde que envolva uma combinação de uma vacina amplamente disponível e medicamentos terapêuticos. Antes disso, é provável que haja cortes contínuos em viagens e nas indústrias mais duramente atingidas, como o turismo e a hotelaria. Nem todas as pessoas que foram demitidas voltarão a trabalhar e as empresas provavelmente usarão menos funcionários no futuro. O desafio de voltar ao "novo normal" é, portanto, tanto uma escolha psicológica quanto econômica.

Temos que conciliar os medos naturais que sentimos, que foram reforçados por mensagens do governo para ajudar a impor o confinamento, com a aceitação das incertezas. A eficácia das mensagens do governo, combinada com os dados sobre as taxas de infecção e a triste realidade dos números de mortes por Covid-19, tornou confuso o desafio de reverter essas simples mensagens para "ficar em casa". A percepção de uma falta de transparência pode deteriorar a confiança e levar a maiores complicações a longo prazo².

Desigualdades – Vieram pra Ficar?

O prazo e a velocidade da recuperação econômica, que no momento dependem da resolução da crise de saúde, podem agravar a desigualdade, os problemas de saúde mental e a falta de coesão social. Também pode haver um aumento na disparidade de riqueza entre gerações, bem como desafios significativos ao emprego e à educação, gerando o risco de uma segunda geração perdida³.

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A crise econômica causada pelo Covid-19 já atingiu as pessoas mais pobres e as de grupos socialmente mais desfavorecidos de forma desproporcionalmente mais dura4. Em muitos lugares, as pessoas têm que enfrentar o dilema moral de escolher entre ir trabalhar para gerar renda para as necessidades básicas ou ficar em casa para proteger sua saúde e a de sua família. A exposição contínua aos riscos de saúde enfrentados pelos trabalhadores essenciais, que muitas vezes estão entre os mais mal pagos, levanta a preocupação de aumentar as taxas de mortalidade entre as pessoas que desempenham essas funções. Isto reforça as desigualdades sociais, de renda e de saúde. Precisamos nos concentrar em como lidar com essa desigualdade durante o processo de recuperação e normalização pós-Covid-19.

As perturbações econômicas e sociais dos confinamentos estão tendo um impacto na saúde mental e no bem-estar dos jovens. Como resumiu um adolescente: “A vida que antes você pensava ser chata, agora é a vida que você espera ter de volta.”5

O que preocupa ainda mais são os efeitos duradouros nas suas oportunidades6. Foi apenas recentemente que o emprego de jovens nas economias desenvolvidas voltou aos níveis anteriores à crise financeira de 2008. Nas economias em desenvolvimento, o desemprego de jovens tem aumentado de forma constante, criando um risco real de agitação social.

Para os jovens estudantes, a pandemia poderá causar novas desigualdades Atualmente, 80% dos estudantes do mundo - mais de 1,6 bilhão de jovens - não estão frequentando a escola. Muitos estudantes em comunidades mais carentes não têm as ferramentas necessárias para acessar cursos online ou não conseguem trabalhar facilmente em casa. As consequências destas desigualdades na educação, especialmente para as mulheres jovens, irão prejudicá-las nos mercados de trabalho e aumentar ainda mais a desigualdade.

Reconstruir Melhor

Da perspectiva empresarial, as empresas geralmente não conseguem ser bem sucedidas em sociedades que não funcionam bem. É aí que entra o capitalismo das partes interessadas.

As empresas precisam utilizar todas suas habilidades e ativos para ajudar a investir em uma sociedade melhor. Vemos isto muito claramente na inclusão financeira, onde precisamos unir o melhor de todos os setores - tanto público como privado - para resolver os problemas.

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Ainda temos motivos para otimismo, mas a forma como sairemos desta crise preocupa muito. Precisamos focar não apenas em uma solução de saúde, mas em uma recuperação voltada para o clima, a sustentabilidade e os riscos sociais, como desigualdade, saúde mental e a falta de coesão e inclusão social. Se não fizermos isso, então é provável que as lacunas na desigualdade - especialmente financeira - se mantenham e aumentem.

Nós temos uma chance. Como empresas responsáveis, temos de agarrar esta oportunidade com as duas mãos para ajudar a sociedade a se adaptar e recuperar.
Uma recuperação limpa, verde e sustentável, que permita o retorno do crescimento, mas com as pessoas e comunidades no centro dos nossos esforços.

 

1 OIT (Organização Internacional do Trabalho). 2020. ILO Monitor 1st Edition – COVID-19 and the world of work: Impact and policy responses. Genebra: Organização das Nações Unidas. 18 de março de 2020.
Artigo na FT por Jemima Kelly, 5 de maio de 2020: “Is it acceptable for government to be dishonest at a time like this?”
Artigo da revista Fortune, 11 de abril de 2020, por Catherine Bosley, Max Reyes e Jeff Green: “How Millennials are Being Set Back by Back-to-Back Global Crises”
4 Article na revista Time, 11 de março de 2020, por Abby Vesoulis: “Coronavirus May Disproportionately Hurt the Poor – And That’s Bad for Everyone”. https://time.com/5800930/how-coronavirus-will-hurt-the-poor/
5 Vídeo da BBC News de 14 de maio de 2020: “A Day in Lockdown Life Around the World” https://www.bbc.com/news/av/world-52589043/coronavirus-teens-document-a-day-in-lockdown-around-the-world
6 Artigo de notícia das ONU de 13 de maio: “UN leads call to protect most vulnerable from mental health crisis during and after COVID-19” https://news.un.org/en/story/2020/05/1063882