A mudança climática pode desencadear a próxima pandemia?

Riscos e resiliênciaArtigo30 de setembro de 2020

A Zurich está trabalhando junto à VICE para examinar algumas das maneiras pelas quais as mudanças climáticas podem impactar nossas vidas no futuro.

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Futuras pandemias podem ser causadas pelas mudanças climáticas e pela crescente perda de biodiversidade, adverte o relatório do Fórum Econômico Mundial de maio de 2020 COVID-19 Risks Outlook. O derretimento do permafrost nos pólos está liberando antigos vírus adormecidos no solo congelado, e cientistas estão preocupados que esses vírus possam causar surtos de doenças em grande escala no futuro. A queda da biodiversidade e a perda de habitats de vida selvagem também são grandes fatores por trás da disseminação de doenças zoonóticas, transmitidas de animais para humanos, tal como o coronavírus.

Um solo congelado denominado permafrost está descongelando rapidamente como resultado do aquecimento global. Quando isso acontece, ele libera metano e dióxido de carbono na atmosfera, acelerando o aquecimento global, tornando tudo isso exponencialmente pior, já que o metano é aproximadamente 30 vezes mais potente do que o CO2 como gás retentor de calor. O permafrost também esconde milhares de anos do que já viveu, desde corpos de humanos que viviam próximo aos pólos até mamutes mortos há milhares de anos, todos congelados no momento de sua morte, alguns ainda com os vírus que os mataram.

Cientistas conseguiram sequenciar totalmente o vírus responsável pela pandemia de gripe de 1918 - que matou aproximadamente 50 milhões de pessoas em todo o mundo - depois de encontrá-lo em corpos exumados de uma vala comum em uma vila do Alasca devastada por essa pandemia. Os vírus mantidos nesses corpos já estavam mortos e não representavam uma ameaça, mas há preocupações de que outros vírus possam ser liberados pelo descongelamento do permafrost, podendo ser reativados e se espalhar novamente.

Em 2014, um antigo vírus denominado Pithovirus sibericum foi encontrado no permafrost siberiano e reativado após descongelado. Esse vírus foi mantido no solo por mais de 30 mil anos, mas felizmente não representava uma ameaça para humanos ou animais. Mas isso não significa que o descongelamento do permafrost está livre de efeitos fatais. Em outro lugar na Rússia, um menino de 12 anos foi morto e pelo menos 20 pessoas foram hospitalizadas em agosto de 2016 após serem infectados pela mortal bactéria antraz. Acredita-se que foram infectados após a carcaça de uma rena, morta pela bactéria, ser descongelada após ficar presa em permafrost por 75 anos.

Embora o descongelamento do permafrost seja um problema, não precisamos nos preocupar quanto a isso ser fonte de futuras pandemias, afirma John Scott, Diretor de Risco de Sustentabilidade do Zurich Insurance Group (Zurich). Scott disse à VICE: “Acredito que os vírus e o impacto do degelo do permafrost em futuras pandemias não são um risco significativo. Existem outros riscos muito mais críticos, como a transferência zoonótica de doenças, ou seja, a transferência de vírus de animais para humanos.” Algumas das causas que estão aumentando o risco de transferências zoonóticas de doenças são as mesmas que estão causando a queda da biodiversidade.

A destruição de habitats de vida selvagem causada pelo desmatamento e pela expansão agrícola e urbana está aproximando humanos e animais, aumentando o risco de doenças zoonóticas se espalharem para novos hospedeiros. Inger Andersen, Diretor Executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), afirma: “Nunca antes existiram tantas oportunidades para patógenos passarem de animais selvagens e domésticos para as pessoas. Nossa redução de espaços selvagens nos trouxe desconfortavelmente próximos a animais e plantas que carregam doenças.”

Em média, uma nova doença infecciosa surge em humanos a cada quatro meses, 75% delas proveniente de animais, de acordo com o Relatório de 2016 das Fronteiras do PNUMA sobre Questões Emergentes de Preocupação Ambiental. O coronavírus foi um deles.

O declínio da biodiversidade não apenas aumenta o risco de propagação de pandemias como também diminui nossa capacidade de contê-las, após iniciadas, devido à nossa dependência da natureza para produzir medicamentos. Scott continua: “A biosfera natural é, na verdade, fonte de diferentes materiais que podem representar remédios naturais dos quais dependemos e nos quais nem sequer imaginamos, e que estão profundamente inseridos na cadeia de suprimentos de vários produtos farmacêuticos. Isso é uma surpresa para algumas pessoas, pois elas imaginam que todos esses produtos de alguma forma aparecem magicamente em um laboratório, e realmente não pensam sobre a origem das matérias-primas.”

Se a humanidade pretende limitar o risco de futuras pandemias e surtos de doenças infecciosas, precisamos levar a sério as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade. Impedir o degelo do permafrost não apenas reduz o risco de um vírus antigo ser liberado, mas também a liberação do metano, o qual agrava a mudança climática. A recuperação econômica após o coronavírus não pode significar que passemos a ignorar os danos causados ao planeta.