Criação de preços para o carbono: Incentivo a um estilo de vida de baixo carbono

Riscos e resiliênciaArtigo16 de setembro de 2020

A criação de preços para o carbono é vista como uma solução econômica para uma ameaça existencial. Mas isso vai muito além do domínio da economia.

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A criação de preços para o carbono tem tudo a ver com uma economia eficiente: você polui, você paga.

Economistas veem os custos sociais e das empresas relacionados às emissões de gases de efeito estufa, como danos causados por enchentes ou custos com saúde decorrentes de ondas de calor, como um sinal de falha do mercado. Essas externalidades, para usar um termo econômico, não são normalmente avaliadas no valor de produtos, serviços ou ativos financeiros.

Para corrigir essa falha do mercado, um número crescente de economistas, empresas como a Zurich, governos, ONGs e organismos internacionais como o FMI e a OCDE, estão defendendo um preço global para o carbono.

Isso aumentará o preço e, assim, suprimirá a demanda de produtos e serviços que utilizam intensivamente carbono, o que levará a uma redução nas emissões.

Além disso, o preço do carbono envia um sinal financeiro aos investidores de que os investimentos de baixo carbono são valiosos hoje e serão ainda mais valiosos no futuro. Também ajudaria a identificar a exposição a ativos ambientalmente insustentáveis, ou “ativos estagnados”, que podem ter que ser prematuramente amortizados, desvalorizados ou convertidos em passivos.


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Tudo isso ajudaria a estimular o investimento em tecnologia limpa e inovação e o mais importante: forneceria a confiança para financiar grandes projetos de infraestrutura necessários para uma transição a uma economia de baixo carbono.

Parece bem simples, mas não é. E a criação de preços para o carbono não é um desafio que os economistas possam resolver sozinhos; há obstáculos políticos, sociais e comportamentais significativos que devem ser superados.


Sempre a geopolítica

“Faz sentido reconhecer o preço do carbono, caso contrário não vamos mudar nosso comportamento”, disse John Scott, Chefe do departamento de Risco a Sustentabilidade da Zurich e membro do Global Future Council on Frontier Risks do Fórum Econômico Mundial. “A maioria das pessoas ainda vai pegar voos de baixo custo e comprar feijões verdes baratos vindos do Quênia, a menos que as emissões geradas pelo voo ou pela cadeia de fornecimento estejam incluídas no preço.”

Um preço sobre o carbono ajudaria a transferir o fardo dos custos associados às mudanças climáticas para aqueles que são responsáveis por elas e que podem reduzi-las. Mas Scott alerta que isso pode causar tensões geopolíticas.

“O Reino Unido, por exemplo, poderia cobrar um imposto de carbono sobre produtos importados da China que são produzidos em fábricas movidas a eletricidade a carvão.

Mas então a China pode considerar essas tarifas punitivas e responder com suas próprias tarifas retaliatórias”, explica Scott.

A resposta, diz ele, é implementar o Artigo 6 do Acordo de Paris. Ele abrange as regras sobre como os países podem reduzir suas emissões usando os mercados internacionais de carbono, mas isso nunca teve apoio no Acordo.


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O Artigo 6 permitirá que os países que superaram suas metas de redução de emissões (conhecidas como ‘contribuições determinadas nacionalmente’, ou NDCs) vendam esse crédito a países que não as cumpriram. E, de forma crucial, fazer isso requer um mecanismo e regras internacionalmente aceitas para o comércio de carbono.

“A implementação do Artigo 6, se ela for acertada, terá um impacto dramático em como vivemos nossas vidas”, disse Scott. “Até que seja obtida transparência global sobre o preço do carbono e seja reconhecido o valor do carbono em tudo que compramos como consumidores e como empresas, então não podemos tomar as decisões econômicas racionais que levarão aos comportamentos corretos.”


Criação de preços para o carbono - um imposto aplicado sobre os mais pobres?

A criação de preços para o carbono, por si só, pode não produzir as mudanças de comportamento necessárias. Ela precisa ser apoiada por outras políticas, incluindo a eliminação gradual dos subsídios aos combustíveis fósseis e medidas para incentivar a pesquisa em tecnologias verdes fundamentais.

Além disso, a criação de preços para o carbono precisa superar a percepção de que o fardo dos impostos sobre o carbono recai mais pesadamente sobre as pessoas com rendas mais baixas.

Foi isso que levou ao surgimento do movimento ‘gilets jaunes’ (coletes amarelos) na França no final de 2018. Seus protestos foram inicialmente motivados pelo aumento dos preços dos combustíveis, alegando que isso exerceria um impacto desproporcional sobre as classes trabalhadoras.

Apesar dessas preocupações, Angel Serna, Vice-Presidente Sênior de Relações Públicas da Zurich, acredita que a criação de preços para o carbono deve ser o alicerce de um conjunto de ações governamentais para combater as mudanças climáticas.


“Não elimine a criação de preços para o carbono só porque não é um instrumento desenvolvido especificamente para criar igualdade social”, enfatiza Serna. “As pessoas com rendas mais altas provavelmente pagarão mais, mas, no fim, é uma ferramenta criada especificamente para enfrentar as mudanças climáticas. Caso queira realizar uma redistribuição de renda, também será preciso usar outras medidas políticas.”


Serna acredita que é possível aumentar a eficácia e reduzir a oposição aos impostos sobre o carbono, devolvendo as receitas aos consumidores por meio de um mecanismo de reembolso per capita, que favorece os economicamente desfavorecidos.

Na Suíça, por exemplo, dois terços de suas receitas de impostos sobre o carbono são reembolsados aos consumidores por meio de um desconto no seguro-saúde. Mas Serna diz que outros mecanismos de reembolso, como descontos no acesso à Internet ou créditos fiscais para famílias de baixa renda, podem ser igualmente eficazes


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Apesar desses mecanismos de reembolso, a criação de preços para o carbono ainda pode enfrentar forte oposição de governos populistas e setores que utilizam intensivamente o carbono com forte influência política.

Nesses casos, Serna diz que as políticas podem precisar dar um passo adiante para tornar a criação de preços para o carbono politicamente aceitável. Isso poderia incluir alguma forma de redistribuição de renda e isenções ou prazos prorrogados para os setores que utilizam intensivamente o carbono.

Apesar dos desafios, Serna continua inflexível de que a criação de preços para o carbono é uma ferramenta crucial para mudar o comportamento de forma eficaz.

“As mudanças climáticas são consequência de nossas ações”, afirma. “Para incentivar as pessoas a agirem de forma diferente, precisamos oferecer um incentivo. A criação de preços continua sendo nosso mecanismo de incentivo mais eficaz, o que significa que a criação de preços para o carbono é nossa melhor arma para combater as mudanças climáticas.”