Decisões difíceis da cadeia de suprimentos e novos desafios nos aguardam em um mundo pós-pandemia

Por Jean-Pierre Krause, Diretor Global de Engenharia de Riscos da Zurich Insurance Group

Nos últimos 12 meses, qualquer pessoa envolvida na logística ou na cadeia de suprimentos passou algumas noites em claro. O inverno rigoroso, o Brexit e as tensões comerciais adicionaram desafios significativos e uma série de novos obstáculos regulatórios. E isso sem considerar o impacto da COVID-19.

A pandemia gerou um dos impactos mais significativos atingidos pelas cadeias globais de suprimentos. O comércio global virou de cabeça para baixo. Isso resultou em impactos no fornecimento, à medida que os governos, empresas e indivíduos lutavam para adquirir produtos e materiais básicos; e impactos na demanda como as pessoas ficavam em casa e restringiam seus padrões de consumo usuais, o que teve um efeito cascata no lado do fornecimento novamente.

A esperança é que com a vacinação e medidas preventivas em andamento nos permitam finalmente ver o fim dos lockdowns e o retorno de nossas vidas ao normal – além das cadeias de suprimentos – como se tivéssemos voltado para 2019.
Mas antes de chegarmos lá, os gerentes de riscos e outras partes envolvidas precisam olhar de perto suas cadeias de suprimentos para determinar se elas são resistentes contra os tipos de impactos que vimos devido a COVID-19. E, a interrupção gerada pela pandemia pode ter criado oportunidades para gerenciar cadeias de suprimentos de novas maneiras.

Enquanto isso, qualquer pessoa que pensar que os problemas que afetaram nossas cadeias de suprimentos no ano passado desaparecerão como um passe de mágica terá uma surpresa desagradável.

De mal a pior

À medida que os lockdowns diminuem e a vida começa a se assemelhar a uma normalidade pré-pandêmica, as empresas também buscarão normalizar suas dinâmicas de oferta e demanda. Mas isso será possível?

Seus fornecedores ainda estarão ativos? E se estiverem, eles terão a mesma capacidade como tinham antes da pandemia? Muitos fornecedores reduziram ou fecharam fábricas para permanecerem financeiramente viáveis. O retorno da capacidade de produção aos níveis pré-pandêmicos não acontecerá da noite para o dia.

Existe um problema semelhante com as habilidades. Com a desaceleração das cadeias de suprimentos, muitos funcionários foram forçados a procurar empregos em outros setores. Caminhoneiros, portuários e gerentes de produção tornaram-se motoristas de entregas, funcionários de supermercados ou trabalharam no setor de saúde. Eles irão retornar aos seus empregos anteriores, de apoio à cadeia de suprimentos?

E, finalmente, seus clientes retornarão? A pandemia fez com que todos reordenassem suas prioridades, revisassem seus compromissos financeiros e ela introduziu novas tendências que ter vindo para ficar. Tudo isso pode mudar a futura demanda por seus produtos e serviços.

Tudo isso significa que, quando a pandemia terminar, uma nova onda de desafios impactará as cadeias de suprimentos.

Noites sem dormir pela frente

Grandes decisões estratégicas aguardam. A COVID-19 expôs a fragilidade de nossas cadeias globais de suprimentos. Estratégias de produção, estoques enxutos e reabastecimento através do método just-in-time foram considerados vulneráveis quando houve escassez de materiais e a liberdade de circulação era restrita. Pode ser hora de se repensarmos essa estratégia.

Isso ficou particularmente evidente no setor da saúde, onde a escassez de equipamentos de proteção destacou os riscos dos modelos de estoque e de fornecedor único, impulsionados pelo controle de custos. Além de ter ficado evidente também na oferta de outros produtos tão diversos como papel higiênico, álcool em gel e bicicletas.

A COVID-19 não é o primeiro grande evento a interromper as cadeias de suprimentos. Em 2011, as inundações na Tailândia e o desastre de Fukushima no Japão interromperam o fornecimento global de componentes e equipamentos vitais para as indústrias de computadores, eletrônicos e automóveis. Isso serviu de alerta, o que levou a termos um foco maior em se ter duas fontes de fornecimento e na transparência da cadeia de suprimentos.

Mas a pandemia teve consequências muito mais profundas. Não é apenas uma crise verdadeiramente global, mas também gerou impactos na demanda global – enquanto os eventos da Tailândia e Fukushima impactaram apenas o lado do fornecedor e foram geograficamente limitados.

Isso significa que haverá uma pressão urgente para reprojetar as cadeias de suprimentos para serem mais inteligentes, fortes e diversificadas, visto que são otimizadas para o custo, serviço e resiliência. Essa é uma tarefa enorme.

Estas são perguntas a serem feitas sobre a sua estratégia para a cadeia de suprimentos:

1. É hora de diversificar ainda mais minha cadeia de suprimentos?
   Quando as fábricas chinesas fecharam no início de 2020, os fabricantes tiveram dificuldades para mudar para outros fornecedores. Diversificar a sua cadeia de suprimentos deve ser uma consideração importante. Ao invés de depender apenas da China, considere centros de manufatura como Vietnã, México e Índia, que provavelmente ganharão maior destaque.
   
   Isso pode ajudá-lo a enfrentar os riscos geopolíticos e potenciais guerras comerciais. Além de ser também uma oportunidade para aumentar a transparência e obter uma compreensão mais profunda das vulnerabilidades e riscos ocultos em toda a sua cadeia de suprimentos, incluindo os fornecedores dos seus fornecedores.
2. Eu preciso localizar a manufatura?
   Uma alternativa é mover parte ou toda a produção para mais perto do consumidor final. Cadeias de suprimentos localizadas podem ser mais resilientes e não são tão suscetíveis a guerras comerciais ou outros eventos globais. Mas essa estratégia só funciona se seus fornecedores forem locais e se seus materiais também forem adquiridos localmente. Caso contrário, os riscos globais permanecerão em sua cadeia de suprimentos.
   
   Essa estratégia provavelmente aumentará os custos, mas também pode apaziguar os governos que às vezes pressionam a fabricação no país para aumentar os empregos e garantir a segurança do fornecimento de produtos essenciais, como suprimentos médicos.
3. Devo investir na digitalização da minha cadeia de suprimentos?
   Muitas cadeias de suprimentos ainda dependem de processos desatualizados. Esta é uma oportunidade de construir redes de fornecimento digitais e interconectadas que podem antecipar e responder a impactos futuros na cadeia de suprimentos e minimizar seu impacto.
   
   Digitalizar a cadeia de suprimentos, investindo em inteligência artificial e automação inteligente, pode criar cadeias de suprimentos inteligentes e ágeis, capazes de mudar rapidamente as estratégias de produção.
4. Posso tornar minha cadeia de suprimentos mais focada no cliente?
   Os impactos na demanda causados pela pandemia deixaram armazéns cheios de produtos indesejados ou desatualizados. Alinhe sua estratégia de marketing com sua cadeia de suprimentos para que você “empurre” os itens em estoque e redirecione as mercadorias para onde houver demanda (por exemplo, de lojas de varejo a centros de distribuição do comércio eletrônico).
   
   É também uma oportunidade de usar sua cadeia de suprimentos para aumentar o valor da marca. Os consumidores se preocupam com o fornecimento responsável, incluindo normas trabalhistas e práticas sustentáveis. Transforme esse risco potencial de reputação em uma oportunidade de marketing, aprendendo sobre seus fornecedores e aproveitando todas as narrativas positivas.

Infelizmente, as noites sem dormir de quem trabalha com logística ou com a cadeia de suprimentos não acabarão. Mas com uma observação positiva. Ao invés de acordar se preocupando em como resolver o próximo problema que afetará sua cadeia de suprimentos, você ficará acordado considerando as oportunidades de reprojetar as cadeias de suprimentos para serem mais inteligentes e resilientes.