Os riscos da transição para o líquido zero – e por que devemos aceitá-los

Riscos e resiliênciaArtigo21 de janeiro de 2022

Existem aqueles que temem uma transição desordenada para zerar as emissões de carbono. No entanto, essa é a maior chance que temos de alcançar nossas metas climáticas. Por Peter Giger

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Não devemos deixar que os riscos de uma transição desordenada se tornem uma desculpa para atrasar essa jornada. Em vez disso, devemos aproveitar as oportunidades que essa mudança vai criar.

A crise climática é a maior ameaça de longo prazo à humanidade. Finalmente, parece que os líderes estão se movimentando para a necessidade de ação urgente e agressiva com o anúncio de várias metas ambiciosas de redução das emissões durante a COP26. Foi dado um sentido de urgência ainda maior com a ênfase em metas de curto prazo, como reduzir pela metade as emissões até 2030 para alcançar o líquido zero até 2050.

Apesar do otimismo em torno dos novos compromissos da COP, eles ainda ficam aquém da meta de 1,5°C do Acordo de Paris. Em vez disso, levam o mundo em direção a um aquecimento de 2,4°C , e mesmo os cenários mais otimistas chegam a 1,8°C. Há muito trabalho a ser feito e pouco tempo.

Restam apenas oito anos desta década e, haverá pressão para acelerar as ações, possivelmente com uma nova política – e talvez intervenções duras em toda a economia – para cumprir os prazos. A introdução de novos fatores econômicos, como mecanismos para estabelecer um preço efetivo do carbono, será um passo importante. Na sequência de desdobramentos positivos na COP26, temos agora orientação contábil clara para comercialização de emissões entre os países. Foram seis anos de discussões, mas o livro de regras de Paris – diretrizes sobre o cumprimento do Acordo de Paris – foi finalmente acordado em Glasgow. Ele inclui o Artigo 6 que estabelece um marco para os países comercializarem créditos de carbono através da ONU e dará acesso ao mercado a todos os países que queiram atrair investimentos verdes por meio do mercado global de carbono.

As mudanças exigirão a introdução de novas políticas econômicas e novas regulamentações que afetem não apenas o lado da oferta, mas também influenciem a destruição da demanda por bens e serviços intensivos em carbono. Essas medidas de destruição da demanda provavelmente incluirão o redirecionamento de subsídios de combustíveis fósseis para tecnologias de baixo carbono, além da implementação de novas regulamentações para construção que exijam o uso de materiais de construção de baixo carbono.

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Uma transição desordenada é inevitável?

O receio é que mudanças rápidas e tardias de políticas – como aquelas listadas acima – deixem pouco tempo às empresas e sociedade para se adaptarem e possam causar perturbação. Também deixarão menos tempo para o desenvolvimento e financiamento da infraestrutura e das tecnologias verdes necessárias. As reduções das emissões podem ter que ser até mais profundas para nos mantermos no caminho em direção às metas. Em vez de uma transição suave para um mundo líquido zero, há o risco de uma transição caótica – ou “desordenada”. 

O Relatório de Riscos Globais de 2022 indica a “omissão na ação climática” como o risco número um da próxima década. Os riscos mais documentados quanto à omissão na ação climática são os riscos físicos, como um aumento na frequência e severidade de clima. Mas os riscos de transição relacionados à transformação para um futuro líquido zero estão recebendo mais atenção. Uma transição desordenada poderia exacerbar esses riscos, afetando a capacidade das organizações de operarem, causando volatilidade econômica e desestabilizando o sistema financeiro.

Obviamente, uma transição desordenada poderá afetar setores intensivos em carbono e suas cadeias de suprimentos de forma mais intensa. Por exemplo, mais de 8 milhões de empregos podem se extinguir apenas nos setores de combustível fóssil até 2050. Pode-se esperar também um impacto no transporte, na agricultura e nas indústrias pesadas, entre outros. Como nas outras revoluções industriais, indústrias inteiras podem desaparecer se tiverem modelos de negócios incompatíveis com o futuro líquido zero.

Porém, uma transição desordenada terá implicações econômicas e sociais de longo alcance. Os aumentos atuais no preço da energia são só a ponta do iceberg quando se trata do impacto da transição para o líquido zero. Se os governos pressionarem muito os investidores para tirar investimentos em empresas de combustíveis fósseis de forma precipitada, isso vai gerar apenas restrições na oferta, instabilidade no preço da energia e uma redução na segurança energética, o que criará riscos geopolíticos.

Como a crise financeira mundial demonstrou, perturbações em um setor podem se espalhar rapidamente por toda a economia e desencadear intervenção política. Isso afetará a subsistência das pessoas e perturbará os mercados de trabalho.

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Aceite a desordem

Então, qual seria a resposta para reduzir o aquecimento global sem sofrer os riscos da transição para o líquido zero? Do ponto de vista comercial, é melhor presumir que a transição será desordenada. O conceito de uma “transição ordenada” parece muito improvável dada a dimensão das mudanças tecnológicas, econômicas e sociais necessárias para a descarbonização, especialmente se o greenwashing e a demora nos compromissos atrasarem a transição. As revoluções industriais anteriores também foram altamente disruptivas e desordenadas.

Esperar que os governos promulguem as regulamentações certas no tempo certo é perigoso. Podem acabar vindo tarde demais. É melhor aprender as lições das transições anteriores. Por exemplo, os perdedores da transição digital esperaram que a mudança os afetasse, em vez de eles mesmos realizarem a mudança.

Veja uma transição desordenada e disruptiva – como em todo momento de mudança – como uma oportunidade. Mesmo na pandemia da COVID-19, as empresas que foram ágeis, inovadoras e engenhosas tiveram sucesso. Muitos nos ajudaram na adaptação à pandemia produzindo vacinas e equipamentos de proteção pessoal que salvaram vidas, fornecendo ferramentas de comunicação remota e serviços de entrega em domicílio que nos possibilitaram tocar nossa vida durante o confinamento.

As empresas precisam ser empreendedores inovadores e visionários. Estamos entrando em um novo tipo de revolução industrial, e os líderes precisam se adaptar ou mesmo transformar seus negócios para fazerem parte do futuro líquido zero – evitando, assim, serem afetados negativamente por ele.

Por exemplo, muitos governos assumiram o compromisso de reduzir gradualmente os motores de combustão interna. Porém, se a disponibilização de estações de recarga para veículos elétricos (EVs) for muito demorada, a transição aos EVs será desordenada. Mas há também uma oportunidade para as empresas.

Empresas dedicadas a recarga podem firmar grandes contratos de infraestrutura, concessionárias públicas podem usar estações de recarga para suscitar mais demanda por eletricidade limpa, empresas petrolíferas podem instalar estações de recarga no átrio, mesmo as montadoras e os investidores têm uma oportunidade. Tudo isso presume que os EVs serão o veículo limpo escolhido. Outras montadoras podem encontrar soluções tecnológicas que revelem a oportunidade comercial de usar combustíveis diferentes, como o hidrogênio.

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A hora de agir é agora.

Os riscos de uma transição desordenada não podem ser usados como desculpa para retardar a jornada em direção ao líquido zero. Pelo contrário, quanto mais esperarmos, mais provável será essa desordenação. E se deixarmos de agir, o dano causado pelas emissões incessantes e, em última instância, as consequências de longo prazo das alterações climáticas, serão ainda mais cataclísmicas que os possíveis riscos de transição. Pensando do ponto de vista financeiro, a economia mundial pode perder até 18 por cento do PIB se nenhuma ação de mitigação for tomada para combater as alterações climáticas.

Os governos e as empresas podem ainda dar passos audaciosos para avaliar os riscos que enfrentam e então agir para impulsionar uma transição inovadora, bem-sucedida e inclusiva que proteja as economias e os empregos.
Os governos precisam de políticas climáticas ambiciosas que sustentem suas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) com ação. Essa ação climática deve ser tomada de uma forma transparente e consistente para possibilitar que as empresas e os investidores se planejem para mudanças futuras.

Os governos precisam trabalhar com as empresas, em especial os setores intensivos em carbono, para introduzir claros incentivos para investir em tecnologias com emissões líquidas zero e incentivar uma mudança no comportamento do consumidor que crie destruição da demanda por produtos e serviços intensivos em carbono. A remoção dos combustíveis fósseis e a introdução da precificação de carbono seria um primeiro passo importante.
Também precisamos garantir que ninguém fique para trás. Políticas que acelerem a requalificação de trabalhadores de setores intensivos em carbono – como a indústria dos combustíveis fósseis – são apenas um exemplo. Novas oportunidades serão criadas: até 2050, 42 milhões de pessoas poderão estar empregadas no setor de energia renovável em comparação com 11 milhões em 2018. Precisamos garantir que as pessoas tenham as habilidades necessárias para aproveitar essas oportunidades.

O caminho para o líquido zero não será perfeito. A transição para o líquido zero representa uma ameaça significativa de curto prazo à estabilidade financeira e econômica e, ainda assim, traz grandes oportunidades. Mas, no fim das contas, cabe a nós. Como indivíduos, comunidades e empresas, precisamos tomar medidas para nos adaptarmos e nos prepararmos para as mudanças que virão. Espera-se que os governos criem uma transição suave e ordenada para o líquido zero. Mas é melhor estarmos todos preparados e apertarmos os cintos para a jornada que temos pela frente.